TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.142 - Disponibilização: sexta-feira, 22 de julho de 2022
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Vistos e examinados.
MARIA ISABEL SILVA FERREIRA, opôs a presente ação contra FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS
MULTISEGMENTOS NPL IPANEMA VI – NÃO PADRONIZADO, conforme fatos e fundamentos expostos na inicial.
Relata a autora que ao tentar realizar operação financeira no comércio local, descobriu apontamento creditício informando que
seu nome estava negativado pela empresa Ré, lhe sendo negado a obtenção do referido crédito. A parte autora relata ter ficado
indignada, uma vez que alega não ter contraído o referido débito. Aduz que a referida dívida é no valor de R$285,56, incluída em
30/04/2018.
Requereu a declaração de inexigibilidade da dívida e danos morais.
Gratuidade deferida, e tutela de urgência indeferida, id 104823234.
Devidamente citada, a Ré apresentou contestação, id 110780580. Narra que o objeto desta lide faz parte de uma cessão de crédito entre VIA VAREJO S. A. (cedente) e FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS MULTISEGMENTOS NPL
IPANEMA VI - NÃO PADRONIZADO (cessionária). Pleiteou a expedição de Ofício à empresa cedente para a disponibilização
dos citados documentos.
Preliminarmente aduziu carência da ação,
A Autora manifestou-se em sede de réplica, id 117500152, onde aduziu que o objeto da lide gira em volta de um débito no qual a
parte Autora desconhece e que foi negativada por uma empresa também desconhecida.
Instadas as partes sobre interesse na produção de mais provas, não houve manifestação neste sentido.
É o relatório.
O feito admite o julgamento antecipado, de acordo com o disposto do art. 355, I, do CPC, não havendo prova a produzir, já que
a documentação juntada aos autos é suficiente ao conhecimento da matéria.
Por esta razão, encontrando-se o processo apto a receber a resolução do mérito no estado em que se encontra, passo à sua
análise.
A preliminar de ausência de interesse de agir não deve prosperar. Como é sobejamente sabido, para que se configure o interesse de agir por parte do autor, faz-se necessária a presença do binômio necessidade-adequação, vale dizer, é preciso que a
prestação jurisdicional buscada seja necessária à satisfação do direito pleiteado, bem como que a via escolhida seja igualmente
adequada para tanto.
A imposição da utilização da via administrativa como condição para a prestação jurisdicional configura ofensa ao princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário, consagrado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, conforme segue:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Importante enfatizar que o inciso VIII do art. 6º do CDC possibilita a inversão do ônus probandi, com o escopo de facilitar a defesa dos direitos do consumidor. Tal inversão, contudo, não é automática – ope legis - dependendo das circunstâncias concretas
preencherem os requisitos legais, de acordo com a apreciação do magistrado (ope iudicis). O ônus da prova só deve ser invertido
quando o requerente tiver dificuldades para a demonstração do seu direito dentro das regras processuais comuns ditadas pelo
CPC, e presentes a hipossuficiência (econômica ou técnica) ou a verossimilhança da alegação.
Entretanto, ainda que a lide envolva uma relação de consumo, que privilegia o consumidor através da inversão do ônus da prova, este não está dispensado de produzir mínima prova a amparar sua alegação, sob pena de afastar a verossimilhança do seu
relato ou ainda não deixar clara a sua dificuldade técnica ou econômica de comprovar o alegado.
Compulsando os autos, percebe-se que a inicial traz a surpresa da autora com a negativação promovida pela ré, negando genericamente a existência de débitos.
O réu trouxe comprovante de cessão de crédito da referida dívida. Verifica-se nos autos a presença de contrato de aquisição de
mercadorias, por financiamento, este com a assinatura da parte autora, bem como documentos pessoais da autora fornecidos
quando da contratação.
Apenas após os esclarecimentos promovidos pela ré, em contestação, trazendo o suporte probatório correlato, sobre a cessão
de créditos, vem a juízo impugnar genericamente a dívida concreta, sem ter se manifestado pela produção de qualquer outra
prova para afastar a prova produzida pela parte ré, do contrário, quedou-se silente.
No que concerne à falta de notificação da cessão de crédito, alegada pelo autor, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que tal omissão faculte ao devedor o pagamento da dívida diretamente ao antigo credor, não
sendo obrigado a repeti-lo novamente ao cessionário. Entretanto, tal omissão permite ao cessionário e adquirente do crédito, a
prática de atos de conservação do crédito, nos termos do art. 293 do CC. Veja-se:
Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os atos conservatórios do
direito cedido.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CESSÃO DO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO AO
DEVEDOR. EXIGIBILIDADE DA DÍVIDA. ART. 290 DO CÓDIGO CIVIL. CITAÇÃO. CIÊNCIA DA CESSÃO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O objetivo da notificação prevista no artigo 290 do Código Civil é informar ao devedor quem é o seu novo credor, a fim
de evitar que se pague o débito perante o credor originário, impossibilitando o credor derivado de exigir do devedor a obrigação
então adimplida. 2. A falta de notificação não destitui o novo credor de proceder aos atos que julgar necessários para a conservação do direito cedido.
3. A partir da citação, a parte devedora toma ciência da cessão de crédito e daquele a quem deve pagar. 4. Agravo regimental
improvido.