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Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XVI - Edição 3666
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destoca, talude e passagens para acesso ao interior das propriedades, formando cacimbas que armazenavam águas (fls. 1035).
Os antigos proprietários, os corréus ALCI ROBERTO e MÁRCIA, contaram que na época foram contratados serviços da CODASP
para adequação de uma barragem, existente no sítio há mais de 20 anos, e de execução/construção de um segundo barramento,
afirmando que as obras foram feitas nos moldes da legislação vigente (fls. 1171/1172). Não há nos autos documentação oficial
comprobatória dos serviços que teriam sido prestados pela CODASP (antiga CAIC), mas, somente, declaração prestada por
terceiro, José Roberto Scarso, o qual, por sua vez, afirmou ter trabalhado no órgão, na época como técnico operacional,
acompanhando o serviço contratado pelo réu ELSO APARECIDO, que foi realizado no Sítio Santa Madalena, e que consistiu na
destoca de plantação de eucaliptos, para permitir a exploração da gleba na produção de frutas, além do serviço de talude de
passagem, pois o terreno era de inclinação acentuada (fls. 1161). Com isso, ausente a demonstração de autorização formal do
competente Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de
São Paulo, para a construção de barragens e captação de água para irrigação rural, documentação que comprovaria que as
obras atenderam as normas de proteção ao meio ambiente e de segurança do barramento. Destaca-se que, em Ofício, de
01/04/2016, o DAEE confirmou a ausência de processo e/ou outorga para a construção e utilização dos barramentos (fls. 318).
Neste ponto, a Lei Federal n.º 9.433/1997, que trata da Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, reconhece que a água é um bem de domínio público (art. 1º, I) e um recurso natural
limitado, dotado de valor econômico (art. 1º, II), assim como a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (art. 1º III),
sujeitando-se ao regime de outorga dos direitos de uso (art. 5º, III), inclusive, derivação ou captação de parcela da água existente
em um corpo de água para consumo final (art. 12, I), condicionada às prioridades de uso (art. 13). E como bem de domínio
público e de valor econômico, não se admite que o uso dos recursos hídricos promovam impacto ambiental. Neste sentido, o
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), na Resolução n.º 1, de 23 de janeiro de 1986, esclarece e determina que: Art.
1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e
biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta
ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a
biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais. Art. 2º - Dependerá de
elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação
do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente,
tais como: (...) VII - Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima
de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos
d’água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques. Já a Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro
de 1997, diz: Art. 2º - A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental
competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. § 1º - Estão sujeitos ao licenciamento ambiental os
empreendimentos e as atividades relacionadas no Anexo 1, parte integrante desta Resolução. ANEXO 1 - ATIVIDADES OU
EMPREENDIMENTOS SUJEITAS AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL Obras civis - barragens e diques Foi argumentado, em
juízo, pelo perito Engenheiro Agrícola Dr. Paulo Sérgio Garcia de Oliveira, o qual, a pedido da defesa, elaborou seu parecer
técnico, que o volume de água passível de acúmulo pelas barragens rompidas era insignificante, conforme classificação dada
pela Portaria DAEE n.º 1.631, de 360 de maio de 2017 (art. 4º), o que, em tese, afastaria a exigência de prévia autorização para
a construção da barragem. Contudo, como bem observado pelo perito do CAEX MPSP (fls. 1548), na época do rompimento essa
portaria não se encontrava em vigor (o que aconteceu, somente, em 1º/07/2017), assim valendo as regras previstas na Portaria
DAEE n.º 2.292, de 14 de dezembro de 2006, que determinava: Art. 2º - Ficam sujeitos à análise do DAEE, para serem
considerados isentos de Outorga de Recurso Hídricos, os usos e interferências definidos no § 1º do artigo 1º do Decreto Estadual
nº 41.258/96: 1. os usos de recursos hídricos destinados às necessidades domésticas de propriedades e de pequenos núcleos
populacionais localizados no meio rural; 2. as acumulações de volumes de água, as vazões derivadas, captadas ou extraídas e
os lançamentos de efluentes que, isolados ou em conjunto, por seu pequeno impacto na quantidade de água dos corpos hídricos,
possam ser considerados insignificantes Art. 3º - Serão considerados isentos de Outorga, os usuários que fizerem uso de água
na forma e com as finalidades descritas nos itens 1 e 2 do artigo 2º, desde que as extrações de águas subterrâneas e as
derivações ou captações de águas superficiais, bem como os lançamentos de efluentes em corpos d’água sejam inferiores ao
volume de 05 (cinco) metros cúbicos por dia, isoladamente ou em conjunto. Portanto, a obra hidráulica (barramento), utilizada
para irrigação de fruticultura, dependia de autorização (outorga) do DAEE para construção e permanência, permitindo, com isso,
a fiscalização do órgão público, a fim de se verificar se atendia à normatização da época. Como escusa para exclusão da
responsabilidade pelos danos, os réus alegaram, além do fato das barragens existirem há mais de 20 anos, sem ocorrência de
problemas anteriores dessa natureza, que o rompimento não foi responsável pelos prejuízos apontados, que foram causados
pelas fortes chuvas que atingiram a região, com alto índice pluviométrico, e que os locais afetados pertencem a áreas de
preservação permanente próximas de curso dágua, que se sujeitam às inundações (fls. 1230), além da existência de muro
irregular pertencente ao loteamento Villagio Capriccio, nas margens e sobre o Córrego do Barreiro, onde a insuficiência de
tubulação de passagem gerou o confinamento das águas e o alagamento das áreas (fls. 1231). O laudo pericial explana sobre
as características do local (fls. 1526): Regionalmente, a área em tela está localizada na bacia hidrográfica do Rio Capivari, na
Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos UGRHI 5 (Piracicaba, Capivari, Jundiaí). O terreno onde ocorreu o rompimento
das barragens é drenado pelo Córrego Água do Barreiro, afluente da margem esquerda do Córrego Água do Buracão, que por
sua vez é afluente da margem direita do Rio Capivari, como pode ser visualizado na Figura 1 - mapa planialtimétrico de escala
1: 250.000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não há divergência sobre a ocorrência das fortes chuvas
que atingiram a região do município de Louveira/SP, em 07/03/2016, momento em que a primeira barragem rompeu; entretanto,
os laudos periciais divergem sobre pontos que envolvem a localização e o grau de intensidade/volume da precipitação. A análise
da responsabilidade pelos danos ambientais causados prescinde da confirmação desses detalhes da precipitação, como
veremos a seguir. No que diz respeito a afirmação feita pela defesa de que o rompimento da barragem ocorreria independentemente
da existência de autorização de sua construção e outorga de utilização dos meios hídricos, deve ser destacado que não foi
apresentado nenhum estudo hidrológico que demonstrasse, principalmente, que a barragem atendia aos necessários critérios
de vazão máxima da seção fluvial que pertence aos córregos de primeira ordem (baixa vazão), segunda ordem (união de dois
rios de primeira ordem) e terceira ordem (união de rios de segunda ordem) que formam a sub-bacia do Córrego Água do
Barreiro, local em que se encontrava o sistema de barramento. Constou na perícia realizada pelo CAEX-MPSP: (fls. 1527)
Nessa figura é possível verificar que os barramentos represavam a água da cabeceira da microbacia, formada pela confluência
de córregos de primeira ordem (nascentes) e córregos de segunda ordem, originando o Córrego Água do Barreiro propriamente
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º