3417/2022
Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região
Data da Disponibilização: Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2022
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de 3 dias na semana". A testemunha, assim, negou-se a si mesmo.
feita pelo depoente, ainda que haja retificação posteriormente; iii)
Percebe-se, pois que a testemunha ofereceu uma resposta
considerar que há recusa em depor sobre a verdade dos fatos; e/ou
inadequada, conforme reflexão que fiz[1]: "As testemunhas podem
iv) reduzir o valor probatório do depoimento prestado em juízo.
fornecer respostas inadequadas. Isso ocorre quando a testemunha
Com relação aos demais depoimentos e provas colhidas nos autos,
não responde a pergunta, apenas responde parcialmente o que foi
o reclamante admitiu que, no período reclamado teve outros
perguntado, fornece retorno diverso do que foi inquirido ou a
vínculos de emprego, e que "passou a trabalhar todos os dias,
resposta não tem relação lógica com aquilo que foi perguntado.
cumprindo horário, em setembro de 2016" e que "em maio de 2017
Nesse caso, podem ocorrer as seguintes situações: a) a
a Sra Laura o desligou da reclamada, voltando a trabalhar sexta,
testemunha não conhece os fatos por inteiro ou em parte; b) sua
sábado, domingo e feriados e eventos". Tal declaração, quando ao
atenção, raciocínio ou memória estão prejudicados por razões de
labor diário, coaduna-se com o depoimento da testemunha do
ordem fisiológicas, psicológicas ou emocionais; c) houve um hiato
reclamante de que "o reclamante trabalhou um tempo como
na comunicação entre inquiridor e testemunha (inclusive por
freelancer e depois quando o restaurante precisou de mais um
utilização de termos não compreendido por um deles); d) a
funcionário o contrataram para trabalhar de terça a domingo. Que
testemunha foi instruída para depor e se perdeu com a seqüência
não se recorda a data de contratação, mas, como saiu em 2017,
das indagações; e) a testemunha foi pega em contradição; f) a
que isso tenha ocorrido em 2015 ou 2016". Acrescentou que ele e o
testemunha não foi 'treinada' para responder a indagação, que lhe
reclamante "foram demitidos no mesmo dia. Que ele trabalhou
desorientou".
como empregado por um período de 1 ano até a dispensa,
Como não houve um hiato na comunicação com a testemunha,
aproximadamente".
restam as demais alternativas, que, de qualquer modo, reduzem a
A 1ª testemunha da reclamada, que passou a trabalhar em 2017,
eficácia probatória do seu relato.
discorreu sobre o período que o reclamante laborou a partir de
Além disso, segundo Jorge Trindade, Procurador de Justiça do
2017. Nessa época, segundo seu relato, o reclamante laborava aos
Ministério Público do Rio Grande do Sul e psicólogo especialista em
sábados e domingos e, às vezes, em evento e que havia evento
Psicologia Jurídica, para a testemunha especialmente motivada,
semanais ou quinzenais a depender da época do mês.Em seu
depor é um acontecimento e por isso ela "acredita que seu
relato disse que não se recorda de ter visto o reclamante laborando
depoimento, por si só, irá mudar o rumo do processo. Geralmente
em dias contínuos como de quinta a domingo, mas que ele
estas testemunhas exageram nas suas expressões"[2], havendo o
trabalhou em alguns feriados.
risco de distorções da realidade. No caso, a 2ª testemunha da parte
Referido relato da 1ª testemunha da reclamada, ainda que
reclamada mostrou-se especialmente motivada em depor,
parcialmente dissonante com o depoimento do reclamante, coaduna
reduzindo o valor probatório de suas declarações, pois procurou
-se com as informações de que ele possuiu vínculo de emprego
convencer o Juiz acerca da inexistência de labor em 3 dias da
com outros empregadores após 2017.
semana, apesar da resposta anterior dizer o contrário.
Diante disso, o conjunto probatório dos autos parece indicar que
Na verdade, o que parece a 2ª testemunha da reclamada incorreu,
houve três contratos entre o reclamante e a reclamada:
em sua primeira resposta, em "ato falho". De acordo com a teoria
a) como freelancer, isto é, garçom extra, a partir de 2012 até 2016;
psicanalítica desenvolvida por Sigmund Freud[3], o ato falho
b) contrato de trabalho, de setembro de 2016 até maio de 2017;
caracteriza-se por um equívoco na fala, na memória ou em uma
c) novamente como garçom extra, a partir de maio de 2017 até
atuação física, provocado pelo inconsciente, que, por meio dele,
setembro de 2019.
realiza um desejo inconsciente. O ato falho é sintoma da
Saliente-se que, com relação a esse último, não foi aduzido por
constituição entre o intuito consciente da pessoa e o reprimido[4].
qualquer das partes que o reclamante passou a trabalhar sob o
Em se tratando de depoimento judicial, o ato falho no curso do
regime de tempo parcial. Diante disso, a questão em debate diz
depoimento revela o desejo inconsciente e reprimido do depoente
respeito a existência de contrato de trabalho regular e/ou de
em falar a verdade e o conflito interior para apresentar em juízo, de
freelancer.
forma consciente, versão diversa da verdadeira. Ocorrendo ato
Além disso, chama a atenção a declaração da própria testemunha
aparentemente falho na coleta da prova oral, poderá o juízo: i)
do reclamante de que ela e o reclamante foram demitidos no
ponderar as reações e os gestos das partes e do depoente após
mesmo dia e o depoimento do reclamante de que "em maio de 2017
sua fala para avaliar se foi mero equívoco ou se realmente foi ato
a Sra Laura o desligou da reclamada". Portanto, o próprio
falho; ii) reconhecer o ato falho e ter como verdadeira a declaração
reclamante e sua testemunha admitiram que houve rescisão
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